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Drop down e sucessão tributária

Operação conhecida como drop down é uma operação na qual uma determinada sociedade aporta bens e direitos em outra sociedade em troca de participação societária com controle acionário. Em resumo, a operação consiste em um aporte de ativos de uma pessoa jurídica em outra, exatamente como ocorre na realização de investimentos mediante a aplicação de recursos financeiros para compra de ações de outras companhias, ou mesmo a aquisição de cotas de fundos de investimentos. Deste modo, considerando tantas particularidades, há grande incerteza quanto aos tributos que incidiriam sobre a operação de drop down.

Buscaremos demonstrar que drop down:
A) não se confunde com cisão para fins de aplicação do artigo 132 do Código Tributário; e
B) que eventual imputação da responsabilidade prevista no artigo 133 do Código Tributário Nacional não pode servir de pretexto para se exigir tributos em descompasso com a legislação.

Pontuemos, desde logo, que drop down, caracteriza-se pela integralização de um conjunto de ativos, por uma pessoa jurídica, em outra, em troca de participação societária. Trata-se de figura jurídica comumente adotada por companhias de grande porte para aprimorar a organização societária interna e regras de governança.

Interessante notar que o drop down pode envolver, além da integralização de ativos, a transferência de passivos. Isso porque certos direitos estão atrelados, de modo indissociável, a obrigações. Sobre o tema, a Comissão de Valores Mobiliários, em 2002, assim já se pronunciou:
“Eventos como o aqui discutidos, onde há integralização com bens, direitos e obrigações que compõem, conjuntamente, um verdadeiro ‘negócio’, têm se mostrado cada vez mais frequentes notadamente com operações conhecidas no jargão como drop down e faz parte do dia dia dos negócios de reestruturações societárias e alienações de empresas. À luz dos princípios que informam a proteção do capital social não vejo razões para que operações como essa sejam proibidas. A meu ver, o que realmente importa é que o somatório desse conjunto de bens que estão sendo transferidos para a companhia, no aumento de capital, sejam positivos” [1].


Ocorre que há casos em que se visa a aplicar a sucessão tributária tendo por fundamento o drop down, sob a justificativa de que tal figura se confunde com a cisão. Não nos parece ser possível tal equiparação. A cisão, nos termos do artigo 229 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.


Note-se que, na cisão, ou bem a pessoa jurídica cindida original é extinta, caso haja cisão total, ou no mínimo seu capital social é dividido, caso a cisão seja parcial. Mesmo no caso da cisão parcial, portanto, a operação societária é distinta do drop down: a cisão parcial importa a divisão do capital social da pessoa jurídica cindida; no drop down, sob o ponto de vista da sociedade que subscreve bens na investida, não há redução de capital social, mas simplesmente uma substituição de certos ativos por participação societária em outras pessoas jurídicas.


Agora, embora a interpretação extensiva do artigo 132 do Código Tributário Nacional, acima disposta, alcance a cisão, nada há que justifique sua aplicação para o drop down. Na cisão total, há uma “transferência empresarial”, como bem apontado no julgado acima, justificando a imposição da responsabilidade. Proibir o Fisco de exigir tributos na cisão total seria muito semelhante à absurda situação em que Raul se recusa a ser cobrado do débito de João, em razão do último ter se “transformado” no primeiro.

E mesmo na cisão parcial é razoável a imputação da responsabilidade quando se observa a divisão de capital social da sucedida. A riqueza, assim, passa para outra pessoa jurídica, justificando a cobrança. Nesse caso, por óbvio, a responsabilidade deve se limitar ao patrimônio cindido.

No drop down, tal situação não se configura justamente porque há o recebimento de participação societária como contrapartida aos bens integralizados na investida. Não há uma perda de riqueza por parte da detentora original do bem, não se podendo equiparar ao instituto da cisão.
No que se refere ao artigo 133 do Código Tributário Nacional, por sua vez, outras reflexões devem ser colocadas.


O dispositivo acima mencionado prescreve que a pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir, de outra, por qualquer título, o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao estabelecimento tributário adquirido, até a data do ato, integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, atividade ou indústria, ou subsidiariamente, com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar, dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria o profissão.


Examinado o dispositivo acima citado, cabe concluir que se uma operação de integralização de ativos envolver a efetiva transferência de estabelecimentos, então a responsabilidade por sucessão prevista no artigo 133 do Código Tributário Nacional poderia ser invocada. Contudo, a responsabilidade com base em tal dispositivo deve observar os contornos normativos que passaremos a examinar.


Indo direto ao ponto, gostaríamos de tratar sobre duas determinações inerentes ao artigo 133 do Código Tributário Nacional que não podem deixar de ser observadas: a) na hipótese de o devedor original continuar com a mesma ou exercer outra atividade em até seis meses, a responsabilidade do adquirente do estabelecimento deve ser apenas subsidiária; e b) os tributos sujeitos à sucessão serão apenas os relacionados ao estabelecimento e incidentes até a aquisição do estabelecimento.


Com relação ao primeiro item, parece-nos indevido que o Fisco exija tributos do sucessor subsidiário, sem antes esgotar a cobrança do devedor originário. Nesse sentido, redirecionamentos em execução fiscal ou mesmo inclusão do responsável em dívida ativa apenas deveria ser aceitáveis após exaustiva e frustrada tentativa de se cobrar do antigo detentor do estabelecimento.


Com relação aos tributos sujeitos à sucessão, como visto acima, a responsabilidade institui uma limitação material — o tributo deve estar relacionado ao estabelecimento — e temporal — o tributo passível de ensejar a responsabilidade é aquele devido até a aquisição do estabelecimento.
Em nosso ponto de vista, não há cabida, nesse sentido, na imputação de responsabilidade abrangendo tributos relacionados às atividades de outros estabelecimentos da pessoa jurídica, ou mesmo tributos que mensurem, em sua base de cálculo, riqueza não relacionada à atividade econômica do próprio estabelecimento.


A título de exemplo, o Imposto Sobre a Renda Pessoa Jurídica é exação nitidamente relacionada ao lucro auferido pela pessoa jurídica, não pelo estabelecimento. A única hipótese que poderíamos conceber a responsabilidade da sucessora pelo referido imposto seria o de ocorrer a transferência de todos os estabelecimentos ao mesmo adquirente e desde que a pessoa jurídica em questão não obtenha receitas dissociadas da atividade dos estabelecimentos.


Com relação à limitação temporal, não é possível a imputação de responsabilidade para tributos devidos pelo alienante após a alienação do estabelecimento.
Voltando-se ao exemplo do imposto sobre a renda, é preciso considerar que se trata de tributo que incide no término período de apuração. É isso o que está implícito, por exemplo, na Súmula Carf 38, que prescreve que, para fins de contagem de decadência em razão de depósitos de origem não comprovada, considera o fato gerador ocorrido em 31 de dezembro, e não na data do depósito [2].


Nesse sentido, se aquisição do estabelecimento se dá no curso do período de apuração, em hipótese alguma o IRPJ, incidente no término de tal período, poderia ser exigido do adquirente de estabelecimento, com base na norma de responsabilidade ora examinada.


Daí por que seria ilegal, por exemplo, a imposição de responsabilidade por sucessão sobre o IRPJ sobre o ganho de capital da alienação do estabelecimento pelo alienante. Primeiro, porque a renda não é inerente à atividade do próprio estabelecimento, mas de um negócio celebrado pelo proprietário do estabelecimento; segundo porque, salvo se a alienação se der no último instante do período de apuração, a incidência do IRPJ se dará após a alienação, de sorte que o limite temporal do artigo 133 do Código Tributário Nacional, acima mencionado, impedirá a atribuição de responsabilidade de tal gravame ao adquirente do estabelecimento.

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