Vigna Tax

Reforma tributária e os créditos acumulados de ICMS

O texto aprovado propõe a criação de uma versão dual de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), sendo o IVA federal denominado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS e a Cofins, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que congregará o ICMS e o ISS e será de competência compartilhada de estados e municípios. Com as mudanças, a previsão é a de que o ICMS seja gradualmente reduzido, para ceder espaço ao IBS, entre 2029 e 2032, sendo completamente extinto em 2033. Nesse contexto, considerando a extinção do ICMS a partir de 2033, a PEC sinaliza que os saldos credores do imposto existentes ao final de 2032 poderão ser aproveitados pelos contribuintes, nos termos de lei complementar, desde que admitidos pela legislação em vigor (i.e., sejam créditos compensáveis) e tenham sido homologados pelos respectivos entes federativos. Para tanto, o pedido de homologação deverá ser analisado no prazo estabelecido na lei complementar, sendo que, na ausência de resposta no prazo, os saldos credores serão considerados homologados. A agilização na homologação dos créditos, contudo, não é a única medida esperada, pois é apenas uma etapa preparatória para que os saldos credores sejam efetivamente ressarcidos. Nesse ponto, o texto aprovado sugere medidas pouco alvissareiras, ao prever que os créditos acumulados poderão ser compensados com o IBS ao longo de 20 anos e definir que, a partir de 2033, os saldos homologados sejam atualizados pelo IPCA-E ou por outro índice que venha a substituí-lo. Essa previsão, embora possa aparentar uma boa notícia aos contribuintes, já que hoje não há qualquer previsão de prazo ou de atualização desses saldos, falha ao violar (1) a isonomia, pois determina a correção dos créditos por índice bastante inferior ao aplicado na atualização dos débitos (Selic), o que coloca fisco e contribuintes em claro desequilíbrio; e (2) a razoabilidade, ao eleger prazo de compensação longo e absolutamente incompatível com o índice de atualização, pois basta que o IPCA-E seja, em média, superior a 5% ao ano para que o crédito nunca possa ser completamente utilizado (a variação do IPCA-E nos últimos vinte anos confirma essa suposição). O texto ainda aponta que caberá à lei complementar regular a forma com que os titulares dos créditos poderão transferi-los a terceiros, bem como a forma pela qual eles poderão ser ressarcidos ao contribuinte pelo Conselho Federativo do IBS, caso não seja possível compensar o valor da parcela com débitos do novo imposto. Chama a atenção, nesse ponto, a falta de imposição de determinações mais efetivas para que os saldos credores sejam monetizados, considerando as experiências negativas com o próprio ICMS nas exportações. Isso porque, no regime atual, a transferência a terceiros de créditos vinculados a exportações é prevista na Lei Kandir (lei complementar do ICMS), desde que haja a emissão de documento que reconheça o crédito pela autoridade competente. Com base nessa exigência, em muitos estados o procedimento depende de autorização discricionária de autoridades fazendárias, o que na prática dificulta a monetização célere desses créditos – ou mesmo a inviabiliza –, não obstante a garantia constitucional aos exportadores. Logo, relegar à lei complementar o tratamento do tema poderá acarretar a escolha por procedimentos e requisitos que causem embaraços à transferência desses créditos, como ocorre atualmente, o que não é recomendado. Com relação a potenciais saldos credores dos novos tributos a serem instituídos pela PEC (IBS e CBS), o texto traz previsões expressas quanto à garantia de manutenção de créditos vinculados a exportações, bem como a previsão de que lei complementar trate da forma e do prazo de ressarcimento dos saldos credores em geral (inclusive os vinculados a exportações). Com relação às exportações, a redação é ainda mais tímida que a do atual art. 155, § 2º, inciso X, alínea “a”, que além da “manutenção” também assegura o “aproveitamento” dos créditos de ICMS vinculados a tais operações, o que transparece um retrocesso do IBS e da CBS nesse particular. O comparativo entre os textos deixa clara a questão: ICMS: tratamento de créditos vinculados a exportações atualmente IBS e CBS: tratamento dos créditos vinculados a exportações Art. 155. (…) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…) X – não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”. “Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1º O imposto previsto no caput atenderá ao seguinte: (…) III – não incidirá sobre as exportações, assegurada ao exportador a manutenção dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, ou serviço, observado o disposto no § 5º, III; (…) § 5º Lei complementar disporá sobre: (…) III – a forma e o prazo para ressarcimento de créditos acumulados pelo contribuinte”. É bem verdade que a previsão geral de “ressarcimento” na PEC, potencialmente a todos os saldos credores, significa um avanço, pois essa possibilidade não é prevista na Constituição para os tributos atuais. A utilização do termo “disporá” no inciso III do § 5º (transcrito acima) também é positivo, pois impõe ao legislador complementar o dever de regular o tema. Contudo, ao atribuir à lei complementar a competência para regular a forma e o prazo para o ressarcimento, o direito do contribuinte fica suscetível a potenciais regulações restritivas, burocráticas e morosas, quando poderia estar mais bem definido no próprio texto constitucional. O histórico do ICMS confirma que delegações à lei complementar não funcionaram no passado. Nesse contexto, vale lembrar que o art. 25 da Lei Kandir prevê expressamente que os saldos credores acumulados de ICMS em função de exportações poderão ser (i) imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no estado e (ii) em havendo saldo remanescente, transferidos a outros contribuintes do mesmo estado, mediante a emissão de documento que reconheça o crédito pela autoridade competente. Embora o Judiciário, reiteradamente, decida que esse dispositivo é autoaplicável, o fato de … Ler mais

REESTRUTURAÇÃO DAS EMPRESAS PARA 2024

A figura dos processos de recuperação de empresas, seja judicial ou extrajudicial, está cada vez mais presente no dia a dia dos brasileiros – ou, pelo menos, não é algo tão inédito assim para a maioria das pessoas. Os grandes veículos de comunicação frequentemente reportam notícias sobre uma nova empresa que entrou em recuperação, ou ainda um grupo que ajuizou uma ação de reestruturação, buscando uma forma de superar suas dificuldades financeiras. Esse tema tem se aproximado de forma crescente da realidade dos cidadãos comuns, por afetar não apenas as empresas, mas também os consumidores, os fornecedores, os funcionários, os credores e a sociedade como um todo. Provavelmente, a popularização do assunto tem como causa o aumento exponencial do número de ações de recuperação em 2023, e um dos fatores que pode explicar esse crescimento é a chamada demanda reprimida, observada nos últimos anos. É provável que esse fenômeno tenha relação com o fato de que a pandemia da Covid-19 de certa forma ajudou a retardar alguns processos de recuperação empresarial. Não fosse ela, muitas das empresas que ajuizaram ações neste ano teriam dado início a uma ação de reestruturação bem antes, em 2020, 2021, ou ainda em 2022. Ou seja, elas já estavam em crise antes da pandemia ou entraram no início dela. O que ocorreu foi que, durante esse período, devido às medidas de combate à crise que incluíram incentivos econômicos, como a liberação de verbas e o adiamento de impostos, e a contenção dos agentes econômicos, que evitaram a cobrança judicial dos créditos, optando por outros meios, as empresas em crise adiaram a iniciativa de uma reestruturação, deixando-a para um momento posterior. Nessa perspectiva, viemos de um cenário de uma demanda reprimida – até mesmo com baixos índices de processos de reestruturação no início da pandemia – mas que agora em 2023 transbordou, resultando em um número recorde de processos de recuperação empresarial. A tendência é que esse cenário se mantenha em 2024, uma vez que essa demanda reprimida não foi totalmente esvaziada, com muitas empresas que ainda precisam se reestruturar para sobreviver. Aliado a isso, temos o fato de que determinados setores da economia enfrentam crises específicas, que podem agravar a situação. Um exemplo disso é o agronegócio, que sofreu com os impactos negativos das alterações climáticas e teve sua produção e rentabilidade afetadas, gerando crises circunstanciais e, consequentemente, a necessidade de reestruturação da atividade empresarial rural. Por isso, é possível afirmar que vamos caminhar para um movimento de culturalização da reestruturação empresarial na sociedade brasileira, que se tornará cada vez mais comum e familiar para os cidadãos comuns, que passarão a conviver com essa realidade e a se adaptar a ela. Contudo, outra questão que se apresentará mais à frente é a efetividade da reforma da Lei de Recuperação de Empresas, ocorrida no final do ano de 2020. Ela será testada e avaliada como instrumento de recuperação da empresa em crise. Diante de todo o contexto, além da postura proba, será necessária também uma atitude colaborativa entre os players envolvidos no processo de recuperação – operadores de direito, empresários, agentes econômicos, entre outros – com o objetivo de buscar sempre a preservação das empresas recuperáveis e a liquidação das irrecuperáveis. Fonte: JOTA